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sábado, 26 de dezembro de 2009

Sobre o gosto do povo

Consta que em a Odisséia, obra de Homero que relata os disígnios da guerra de Tróia, seu principal herói, Ulisses (Odysseu, por isso, Odisséia),depois de ficar exilado por anos, decide retornar à Gécia. Ele é alertado por Circe sobre uma região pela qual teria que passar, habitada por sereias cujo canto era tão belo e arrebatador que jamais algum ser humano teria escapado a tal beleza, tendo sido todos por ela dragados. A feiticeira instruiu Ulisses, e se ele quizesse escapar com vida e ao mesmo tempo se delitar com a beleza daqueles cantos, deveria pedir para ser amarrado ao mastro de sua embarcação, e antes disso, tapar com cêra os ouvidos de todos os seus remadores, afinal, eles eram a "classe operária", teriam que trabalhar, sem o risco de tão refinada arte.

Os teóricos da Escola de Frankfurt, especialmente Theodor Adorno, utilizam essa passagem do mito homérico para apontarem o momento em que a arte se separa entre arte de elite, que de tão refinada torna-se perigosa (e por isso, a amarração ao mastro é uma metáfora de contenção de todo o perigo), e a arte dedicada ao povo, ou melhor, negada a ele, posto que lhe restou apenas ceras nos ouvidos e trabalho.

Existe um consenso entre muitas pessoas de que existe uma coisa chamada "gosto do povo", não sendo este chegado a refinamento. Seria um gosto mais afeito ao grotesco e ao pitoresco, e por isso o povo estaria incapacitado de acessar e entender certas linguagens mais elaboradas. Tal pressuposição tem sido utilizada como fundamento oficial, à qual recorrem políticos e empresários da mídia, principalmente, para amparar a condenação do povo às mesmas redundâncias, cuja pobreza de variedade é tão drástica que são as próprias coisas que se oferecem ao povo, nesses termos, que se convertem nas "cêras no ouvido do povo".

Por mim prefiro acreditar na capacidade de o povo escapar a essa redução criminosa! Igulamente criminosos são todos aqueles que operam essa redução, com ares de democratismo, quando por trás disso, o povo é convertido em massa, em homogeneidade burra, exposta a todo tipo de exploração comercial ou eleitoreira. Entre os primeiros criminosos estão os políticos e os donos de empresas de comunicação! A estes, quanto mais cêras nos ouvidos (ceras que eles oferecem disfarçadas em música idiota, por exemplo), mais aptos a manobras e à existência meramente laboral. Isso é o paraíso dos canalhas!

Talvez tenhamos que problematizar mais e melhor isso!

Josemar Martins (Pinzoh)

domingo, 20 de dezembro de 2009

Eu, um acadêmico filho da puta!

Acordei me sentido um criminoso! Crápula! Filho de todas as putas. Tudo isso porque sou, como se diz nas horas de embriaguês, com ar de ressentimento, um Acadêmico! Em certas horas da noite isso é mais que um xingamento! Pior se é dito sem que a gente perscrute o que realmente diz o missivista. No geral não dizem nada! É só um insulto misto de frustração e escárnio.

Sensação esquisita, porque eu, que nasci de pais semi-analfabetos, numa casa de taipa, lá nos sertões do São Bento, que estudei com professora leiga, em escolhinha rural, que saí lá das brenhas para estudar na cidade, e fui menino matuto na rua, falava tapando a boca, e era pequeno, pobre, sarará e feio, inventei de não ser só isso! Crime sem perdão! E mais, inventei de fazer teatro, poesia, sem rima que é mais difícil, e fazer concurso e dar aula em universidade e fazer mestrado e doutorado e misturar tudo isso com incursões freqüentes aos guetos, onde se encontram os mais paradoxais lotes de boêmios e drogados e artistas e fanfarrões e bufões... Uns são maravilhosos, manejam bem a palavra e riem conosco. Prefiro esses! Outros querem apenas forçar a presença redundantemente à força, se impor pelos quilos de verbo que fazem desabar por entre os dentes... Acham-se lindos demais pra dividir o ar conosco. Nem se mandam nem se mancam!

Há os que começam dizendo “você é do caralho” e terminam dando conselho sobre como “deixar de ser um merda”. Outros nem isso, o mínimo que dizem é "filho da puta", logo no aperto de mão. Descobri que a causa disso é a palavra Academia – com “A” maiúsculo pra fazer justiça aos revoltados. Ela parece ser mágica, tem a força de palavra tantalizada, que ao mesmo tempo oferece e nega, acrescenta e subtrai. Nossa associação a ela nos torna uma espécie de maldito, portador de alguma espécie de vírus. Nunca entendi isso direito!

Há quem cobre um sotaque de raiz e quem lhe ralhe, acaso haja ainda algum resquício disso. Há quem cobre um chapéu de vaqueiro e quem faça proselitismo com as associações “culturais” que deduzem. Mas o pior mesmo é quando nos chega um com álcool até os tímpanos – aliás, álcool e tímpano têm uma relação curiosa – e nos buzina um monte de palavras soltas no ouvido só para azucrinar; mistura alhos com outros bagulhos, moderno com rolo de fumo e toma o tempo que você poderia dedicar a olhar as pernas da moça que está à sua frente, tão bela como nunca, caso sua visão não tivesse sido abruptamente tomada pelo brother, que quer lhe convencer que ele está a anos luz à sua frente. Não, caralho! Você não está a anos luz não; está na minha frente, tapando a visão. Dá licença!

Venho desconfiando, há algum tempo, de que existe algo mal resolvido na relação desses malditos com a Academia. Só espero que a porra desse problema não seja debitado da minha conta! Aliás, estou me acostumando a não tolerar embromação e blefe, desses que ficam disfarçados no amontoado de palavras pronunciadas, como se você fosse demente e não sacasse a jogada! Nesses momentos, a melhor coisa é dobrar o jogo jogado pelo arrivista contra ele próprio. Ou você lança mão da arma dos fracos – a ironia, positivamente – e sai emendando elogios e bajulações e uma safra de palavras estranhas, que você provavelmente passou horas selecionando do dicionário, engatadas umas nas outras, para deixar o outro aturdido, ou você diz logo de uma vez “vai tomar no olho do seu cú”.

É tudo um teatro de vaidades. Melhor mesmo é que não fosse nada disso!

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

POR UMA POLÍTICA DA POESIA

Josemar da Silva Martins (Pinzoh)
(texto elaborado para o programa Multicultura, da Radio Tropical SAT, Juazeiro/BA, do dia 18/12/2009)


Sempre houve quem se perguntasse para que serve a poesia, sobre sua utilidade, sobre sua pragmática. Esses são os que estão acostumados a mensurar tudo de cabo a rabo, sem espaços para supostas inutilidades que não gerem lucro, por exemplo. São os homens de negócio, que trocariam todas as praças, parques e suas árvores por algum empreendimento lucrativo; que loteariam a floresta amazônica entre campos de soja, pastos de bois e caixas de banco.

Para esses à linguagem bastaria denotar, definir, precisar. Ao resto dizem simplesmente: “não me venha com poesias”. Mas a poesia é pura metalinguagem, traição da linguagem, para abrir passagens a outros universos de sentido, aos quais não se pode acessar em linha reta. Por isso ela prefere conotar, abrir desvios na lógica hermética! Perguntar para que serve a poesia é a mesma coisa que perguntar por que enfeitamos o prato de salada, se ele será devorado em seguida, pela gula que o espreita.

Para que serve então uma frase assim: “... e aquela num tom de azul quase inexistente azul que não há; azul que é pura memória de algum lugar”, senão para dar acesso a alguma coisa que de outro modo não nos seria acessível?

A poesia serve exatamente para isso: para nutrir os estados da alma de toda a inutilidade de que a alma carece! É aí onde a poesia nutre uma ecologia inteira de sensibilidades. Eis a utilidade da poesia!

E o que dizer da poesia no corpo das cidades? As cidades são esses acontecimentos movediços, que crescem para cima e para baixo, e se estendem no tempo e no espaço, com seus fluxos de coisas, percepção e afeto. Como as cidades tendem a separar tudo entre o útil e o inútil, elas estão ficando pobres em poesia. Sua gramática é a do lucro e de sua contraface: o lixo.

Então a poesia, espremida entre o lucro e o lixo, vira mera negatricidade inexorável ao existir humano – quando, ao contrário, é de uma política da poesia que carecemos, para nutrir novas ecologias de sensibilidade e desejo.

Então o meu grito de hoje é esse: por uma política da poesia nas cidades!

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Ecologia de Idéias

Josemar da Silva Martins (Pinzoh)

Boa tarde a todos os amigos, ouvintes e colaboradores do Multicultura.

O papo hoje é sobre ecologia. Mas não é sobre aquilo que convencionalmente entendemos pelo termo ecologia, restrito à relação dos ecossistemas naturais e aos seus os respectivos equilíbrios e desequilíbrios. Quero sugerir que hoje a palavra ecologia pode ser utilizada para falar de ecossistemas e ecologias de idéias: das boas idéias ou das idéias daninhas e danosas. Isso define aquilo que poderíamos chamar “ambiente de inovação”, que é mais uma espécie de “ambiente de inoculação”, propício ao surgimento de determinados tipos de idéias e modos de pensar.

É evidente que novas idéias podem surgir em qualquer lugar, dada a diversidade dos fluxos de comunicação, que colocam em relacionamento idéias muito variadas e aparentemente distantes entre si.

Mas deveríamos fortalecer o entendimento de que, quanto mais um ambiente é arejado de idéias novas, mais ele se torna propício ao surgimento de outras idéias novas e inovadoras. Há na vida social, uma espécie de “espírito do tempo” e até uma espécie de “espírito de lugar”, constituídos pelos tipos de idéias que perfazem a vida social.

As idéias são tão importantes que todas as ditaduras, começam por persegui-las e controlá-las.

Numa cidade como Juazeiro também existem ecologias de idéias, alimentadas por todo tipo de redundâncias distribuídas pelos fluxos de comunicação. E há também, dada a qualidade desses fluxos, até uma inanição das idéias, formas de iniqüidade das idéias.

É preciso então oxigenar essas ecologias, pois é urgente enfrentar a ignorância através de uma luta não ignorante, ampliando o “ambiente de inovação” das idéias, o que requer que a cidade tenha mais espaços para debates, para experimentações, para intercâmbios despidos da lógica tacanha do lucro imediato.

Comecemos por aí!

Eu sou Josemar Martins, Pinzoh, e volto na semana que vem. Boa tarde!

(Participação no Programa Multicultura de 11/12/2009, na Radio Tropical SAT, Juazeiro/BA)

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

O Riso do Rio

ria, meu rio, ria!
com a boca escancarada
lentidão de língua de água
lambendo as beiras das margens
anáguas de lavadeiras
bucho de paquete lento
pecados de toda sorte

ria, que eu também rio!
dessa gargalhada sua
que nua ainda escorrega
entre as margens espremidas
e se ouve à madrugada
quando todos os que uivam
conseguem compartilhá-la

ria, meu rio, ria!
ilumine os desvarios
e até nine nossa insônia
como uma larga ironia
da crueldade do dia
que lhe empazina de fezes
que lhe mata umas mil vezes
depois nos rede poesia

ria, meu rio, ria!
um riso puro sarcasmo
orgasmo dos masoquistas
pois que tua clara pista
onde deslizo delírios
lá por baixo é puro choro
e se eu rio, meu rio,
é da nossa covardia
é do nosso desaforo

não é rima que eu busco
rima não rima com isso
ria, meu rio, ria!!
ironize do sacrifício.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

PAIXÃO

Uma página em branco
Pronta pro rabisco
Sem eira nem beira
Sem rima nem métrica
E sem sacrifícios

Uma página aberta,
Janela indiscreta
Quiçá fossem pernas!

Uma página em branco
Pronta pro rabisco
Uma história inteira
Pode estar aí
Esperando as letras
Lápis zero sete
Ou esferográfica
No papiro velho
Que materialize
Este vir a ser

Uma página em branco
Pronta pro rabisco
Procuro, não acho
Fico cabisbaixo
Distraio o sentido
Virando na cama
Vou compondo cenas
Entre suas pernas
Só imaginárias

Uma página em branco
Pronta pro rabisco
Na borda da boca
Nos cílios, nos olhos
Na pele morena
Na curva da nádega
No pico dos seios
Na dobra do braço
Ou nos vales úmidos

Às vezes assim
Nem me reconheço
Quando perco o rumo
Quando perco o sono
Quando caio em mim
Já é madruga
E eu não fiz nada
Além de vagar
Com o fio da idéia
Rabiscando formas
Em sua lembrança

Pode ser que sim
Pode ser que não
– E eu me rendo à rima:
Essa coisa besta
Dizem que é paixão

(Pinzoh)

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

gato preto

ontem sonhei com você
estava com um vestido bonito, florido e rosado
algumas vezes estava solícita, carinhosa
me beijou a face demoradamente
depois abaixou para acariciar um gatinho
e quase que o vento lhe deixa de bunda de fora

num instante essa porra de gatinho ganhou o sonho todo
tudo virou uma diversão chata, com um gato preto
que alguém inventou que faria alguma coisa extraordinária
atrás de uma grande grade de ferro...
e nós ficamos por horas, numa casa não sei de quem
em silenciosa expectativa, olhando o gato pela grade

até as imagens se misturarem, os gatos se multiplicarem
as pessoas se tornarem desconhecidas
o portão de ferro que era cá, já era lá
e a casa virou clube e a brincadeira virou fila de caixa
para pagar conta de cerveja que não consumi
e eu não sei que fim levou você nesse sonho

não sei porque os sonhos são tão assim, sem pé nem cabeça.
porque, ao invés do gato, o sonho não perseguiu a sua mansidão de moça?
ou o seu vestido florido, que o vento insistia em levantar?

eu não entendo essa estupidez dos sonhos
que se deixam atravessar por gatos pretos

quanto a você, nem em sonho, meu Deus?